Texto (Inspirado em Sherlock)

Sabes todos estes anos não pude nunca, nem quis, conter os ímpetos viciantes de dedução a todas as inevitáveis previsibilidades do ser humano, em diferentes cenários, com diferentes personalidades, realidades, tornou-se tão comum como respirar, algo evidentemente ligado ao raciocínio mas ao mesmo tempo mecânico. Eu estabeleci uma associação mental entre o Homem e a lógica, que fez com que por consequência pensasse no Homem como uma máquina com todas as peças à vista, sem segredos indecifráveis, tomei como hábito vê-lo numa equação matemática sem incógnita. Está claro que nunca relações interpessoais me interessaram a nenhum nível, o único interesse que sempre tive foi o do alimento da mente através dos estímulos do mistério, circunstâncias muito específicas que envolvessem o tão irresistível "impossível" saído disparado com certezas inequívocas da boca de um qualquer pobre prisioneiro das suas próprias ideias pré-definidas, limitadas e facilmente contra-argumentáveis. No meio de toda esta análise incessante aos outros, iniciei involuntariamente uma viagem num local dentro de mim que considerava impossível alcançar, eu na forma de Homem ignorante e patético, um idiota a reclamar da falta de visão enquanto tinha as mãos a cobrir os olhos... Watson já te contei porque é que considero a nossa espécie mais desinteressante do que muitas outras, como o cão por exemplo, o gato, o beija-flor...

"Algumas pessoas não sabem o que dizem. O Beija flor não é um pássaro comum. A sua frequência cardíaca é de 120 batidas por minuto. As Suas asas batem 80 vezes por segundo. Se segurasses num beija flor e o impedisses de bater as asas, ele morreria em menos de 10 segundos. Definitivamente não é um pássaro qualquer! E isso é um verdadeiro milagre! Uma vez observaram através de uma câmera lenta o bater das asas de um beija flor, sabes o que eles viram? As extremidades das asas movem-se fazendo o numero 8 no ar; Sabes do que o numero 8 é símbolo matemático? Infinito!"

Um ser tão pequeno consegue viver mais intensamente com a sua fracturada esperança média de vida, do que a esmagadora maioria de uma espécie dominante, que só não entende é como controlar a sua vida, nem qual o seu propósito. O beija-flor sabe perfeitamente o que tem que fazer, qual o seu propósito, e só o deixará de o fazer quando lhe for efectivamente impossível continuar, não um impossível humano, um impossível a sério. John eu claramente não sou nenhum beija-flor, a minha similitude com a anatomia deste animal é proporcional ao quanto a minha complexa no entanto inconsequente mente é humana. O que estou a tentar dizer, mais uma vez com uma demonstração de desnecessária elaboração para algo tão básico, aparentemente natural, é que podia descrever-te o mais íntimo pormenor de 50 estranhos que me surgissem agora à frente, através de superficiais observações, mas nem que a minha vida dependesse disso seria capaz de decifrar o que vai para lá do lógico, afinal de contas à minha medida não passo de um homem limitado às suas capacidades cognitivas, nunca suficientes para suprir a lacuna do afecto e do sentimento. Menosprezei durante tanto tempo quanto pude essa vertente da condição humana, mas hoje posso afirmar que ganhei um propósito. Vocês são a minha nova razão para usar a lógica.