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"Matei-o" - Teatro

O resultado da junção de 9 monólogos da obra "crimes exemplares" de Max Aub foi este, com confissões peculiares de personagens que no fundo... só queriam sossego, coitadas... https://www.facebook.com/antonysousa10/videos/vb.100000047167396/1201844059827155/?type=2&theater

Ele



Ele estava perdido. Não literalmente, sabia onde estava, mas preferia não saber. Preferia estar num carro no lugar do passageiro a olhar pela janela com o rádio a ditar a banda sonora, sem destino certo, só com a certeza de ser longe dali.
Enquanto descia num labirinto inclinado de pensamentos, os seus pés como que por solidariedade guiavam o corpo numa descida contínua até que algo ou alguém o obrigasse a parar. Curioso como tantos passos são dados sem que tenhamos consciência disso, afastando-nos cada vez mais da realidade, mas acabamos onde era suposto. Seguia o seu rumo sem questionar a trajectória assumida. Inconscientemente rápida a passada levou-o até aos ruídos do ajuntamento de vidas latejantes, talvez numa tentativa de escapar à ausência momentânea de variações na linha do seu dia - até então um segmento de recta cuja única boa notícia inescapável que continha era a de que teria um fim - tentativa já típica de quem chega à conclusão de que menos relevante não se poderá tornar a sua existência.
Os seus olhos procuraram com uma certa urgência as luzes da cidade reflectidas na água, o contraste com a misteriosa escuridão. Respirou fundo e notou que todo o caminho tinha sido feito quase só com a quantidade necessária de oxigénio para não asfixiar. Pensou se alguém por sua vez notaria se ele estivesse estatelado no chão frio, ou se passariam por cima, como assim parecia que faziam em relação à muito provável insignificância das suas palavras. Foi automática a vontade de se afastar de todos, e por isso olhou em volta para garantir que mantinha uma distância minimamente confortável do próximo humano e que não iria ser obrigado a mover-se tão cedo. Ouvia os acordes de uma guitarra acústica algures à sua direita, e focou-se no som para tentar distinguir que música seria. Música fora o seu bem sucedido plano de fuga para a imaginação em muitas realidades limitadas no passado. Uma versão de "Creep" dos Radiohead fez com que fechasse os olhos. Quando a música acabou e algumas palmas se ouviam ao longe reabriu os olhos, e o que eles encontraram ameaçou logo quebrar o estatuto de irrelevante que até então aquele dia tinha conquistado com mérito... (to be continued)

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