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"Matei-o" - Teatro

O resultado da junção de 9 monólogos da obra "crimes exemplares" de Max Aub foi este, com confissões peculiares de personagens que no fundo... só queriam sossego, coitadas... https://www.facebook.com/antonysousa10/videos/vb.100000047167396/1201844059827155/?type=2&theater

Quando for pequeno...

Todos nos lembramos da velha questão: "O que queres ser quando fores grande?". Eu lembro-me bem de não saber o que dizer pois as possibilidades eram tantas, e nem conhecia metade, só sonhava, imaginava ser grande e ser o melhor em cada uma dessas possibilidades. Tudo servia de pretexto para criar novos mundos paralelos, onde nada era impossível e todos sorriam, na pura inocência da mente de um pequeno rapaz. O potencial que existe na imaginação de uma criança é incomensurável. Hoje, como suposto "grande", percebo isso, e apercebo-me da sorte que tinha quando explorava a oportunidade de sonhar acordado. Sair do cinema chegar a casa e ir directamente para o sótão engendrar um plano para escapar dos dinossauros, ou como roubar 50 carros em 60 segundos (as intenções eram boas, e o título do filme engana muito para um miúdo...), eram exercícios mentais que faziam de mim um puto saudável.
 Pelo caminho crescemos em tamanho e estreitamos no que passamos a chamar de "absurdo", de "palhaçada”, ou “criancice”. Claro que ganhamos muita coisa, elementos fundamentais para sobrevivermos no mundo real, no mundo dos "grandes". Conquistamos experiências, memórias, aprendizagens, lições, erros, consciência mais abrangente, visão mais aprofundada. Ouvimos outros tipos de música, vemos outros tipos de filmes (enfim, a menos que tenham um irmão ou irmã mais velho que adore filmes de terror como eu... aí habituam-se desde cedo a um pouco de tudo), vemos as mesmas coisas com outros olhos, moldamos a nossa essência para formarmos uma personalidade mais completa. Mas esta reflexão não está vocacionada para os benefícios de crescer, e sim no que perdemos algures nos anos e que ao contrário do que à partida pensamos, até nos daria jeito para os dias de hoje, dias de "grande".
 Eu desenvolvi uma autoconsciência que me impede de dizer asneiras por vezes, que evita que diga tudo o que penso, e que não me permite ser um palhaço a toda a hora em todos os espaços e com toda a gente. Até aqui até não parece um mau negócio. Só que o impedir de, o evitar que, e o não permitir a, são tudo celas numa prisão que se torna a integração em sociedade. O melhor exercício para compreender isso é pensar nas pessoas que nos atraem, motivam, inspiram, com quem gostamos de conversar, com quem gostamos de estar, e com os quais não temos problemas em arriscar sermos parvos desde que isso os faça rir. Creio que tendo cada um de nós uma potencial opinião diferente sobre as mesmas pessoas, a grande parte concordará que esse grupo de pessoas que preenche os requisitos que referi acima, são pessoas que não consideramos comuns, não as vemos como mais uma, têm características que nos fazem dizer "epah só podia ser o x, ou só o y para fazer uma cena daquelas". Isso significa que essas pessoas são autênticas, porque não existem dois cérebros iguais, logo se se permitirem ser elas próprias essas pessoas dirão e farão coisas que as torne únicas. Todos os outros que até conhecemos e falamos, parecem ser clones que saíram de uma fábrica algures num canto qualquer da cidade onde Deus, Buddha, JC, quem preferirem, cria os figurantes para a nossa vida. E às vezes aborrece-se e faz cópias exactas, sem grande criatividade. Nós podemos ser esses insignificantes figurantes na vida de outrem quando estamos tão autoconscientes que perdemos a liberdade de sermos nós mesmos. E a solução é tão simples quanto voltar a ser "pequenos" por um período de tempo. Não vamos pedir por uma chucha, um biberão, nem pedir para amame...bom também não convém cortar assim tão radicalmente com tantos aspectos de ser "pequeno" de uma vez só… pode-se guardar um ou outro... Mas logicamente não quer dizer que vamos ser literalmente crianças a fazer birra. Apenas que limpamos o caminho à nossa frente com a pureza de quando éramos "pequenos", e com isso recuperamos uma liberdade para imaginar, sonhar, acreditar, voar nos pensamentos, ideias, transformando partes do nosso dia em processos criativos onde nos divertimos a produzir algo que, por mais parvo ou inútil que mais tarde possa parecer (quando estivermos em modo "super autoconsciente" outra vez), será sempre algo que mais ninguém poderia ter produzido, porque foi algo originário da nossa mente de contornos genuinamente singulares.

Sinto falta de ser "pequeno", preciso de ser "pequeno" mais vezes, mesmo que não seja compreendido em boa parte delas. Quero recuperar a capacidade de imaginar criaturas jamais vistas, com nomes originais, e um enredo mirabolante sem fim à vista. Com pouco ou nada inventar algo tresloucado, surreal, impossível, possivelmente insano, mas como é necessária essa faísca de insanidade legal! Uma frase sem sentido pode dar sentido a um dia com os sentidos já pré-definidos, só por me ter feito rir às gargalhadas. E com isso ter mudado o curso desse dia, mesmo que acabe por fazer tudo o que estava agendado para aquele dia.


Na prática voltar a ser "pequeno" em full-time já não é hipótese, portanto só a consigo imaginar quando um dia tiver um filho. Ora ocorre-me perguntar-me: "O que queres ser quando fores pequeno?", e apraz-me responder à minha pessoa: "Quero que ele(a) seja 'pequeno(a)' o quanto puder, que cresça e ganhe tudo o que tem a ganhar no seu trajecto, mas que nunca perca a capacidade de recuperar a liberdade de ser 'pequeno'... de ser ele(a) própria.".

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