Todos
nos lembramos da velha questão: "O que queres ser quando fores
grande?". Eu lembro-me bem de não saber o que dizer pois as possibilidades
eram tantas, e nem conhecia metade, só sonhava, imaginava ser grande e ser o
melhor em cada uma dessas possibilidades. Tudo servia de pretexto para criar
novos mundos paralelos, onde nada era impossível e todos sorriam, na pura
inocência da mente de um pequeno rapaz. O potencial que existe na imaginação de
uma criança é incomensurável. Hoje, como suposto "grande", percebo
isso, e apercebo-me da sorte que tinha quando explorava a oportunidade de
sonhar acordado. Sair do cinema chegar a casa e ir directamente para o sótão
engendrar um plano para escapar dos dinossauros, ou como roubar 50 carros em 60
segundos (as intenções eram boas, e o título do filme engana muito para um
miúdo...), eram exercícios mentais que faziam de mim um puto saudável.
Pelo
caminho crescemos em tamanho e estreitamos no que passamos a chamar de
"absurdo", de "palhaçada”, ou “criancice”. Claro que ganhamos
muita coisa, elementos fundamentais para sobrevivermos no mundo real, no mundo
dos "grandes". Conquistamos experiências, memórias, aprendizagens,
lições, erros, consciência mais abrangente, visão mais aprofundada. Ouvimos
outros tipos de música, vemos outros tipos de filmes (enfim, a menos que tenham
um irmão ou irmã mais velho que adore filmes de terror como eu... aí
habituam-se desde cedo a um pouco de tudo), vemos as mesmas coisas com outros
olhos, moldamos a nossa essência para formarmos uma personalidade mais
completa. Mas esta reflexão não está vocacionada para os benefícios de crescer,
e sim no que perdemos algures nos anos e que ao contrário do que à partida
pensamos, até nos daria jeito para os dias de hoje, dias de "grande".
Eu
desenvolvi uma autoconsciência que me impede de dizer asneiras por vezes, que
evita que diga tudo o que penso, e que não me permite ser um palhaço a toda a
hora em todos os espaços e com toda a gente. Até aqui até não parece um mau
negócio. Só que o impedir de, o evitar que, e o não permitir a, são tudo celas
numa prisão que se torna a integração em sociedade. O melhor exercício para
compreender isso é pensar nas pessoas que nos atraem, motivam, inspiram, com
quem gostamos de conversar, com quem gostamos de estar, e com os quais não
temos problemas em arriscar sermos parvos desde que isso os faça rir. Creio que
tendo cada um de nós uma potencial opinião diferente sobre as mesmas pessoas, a
grande parte concordará que esse grupo de pessoas que preenche os requisitos
que referi acima, são pessoas que não consideramos comuns, não as vemos como
mais uma, têm características que nos fazem dizer "epah só
podia ser o x, ou só o y para fazer uma cena daquelas". Isso significa que
essas pessoas são autênticas, porque não existem dois cérebros iguais, logo se
se permitirem ser elas próprias essas pessoas dirão e farão coisas que as torne
únicas. Todos os outros que até conhecemos e falamos, parecem ser clones que
saíram de uma fábrica algures num canto qualquer da cidade onde Deus, Buddha,
JC, quem preferirem, cria os figurantes para a nossa vida. E às vezes
aborrece-se e faz cópias exactas, sem grande criatividade. Nós podemos ser
esses insignificantes figurantes na vida de outrem quando estamos tão autoconscientes
que perdemos a liberdade de sermos nós mesmos. E a solução é tão simples quanto
voltar a ser "pequenos" por um período de tempo. Não vamos pedir por
uma chucha, um biberão, nem pedir para amame...bom também não convém cortar
assim tão radicalmente com tantos aspectos de ser "pequeno" de uma
vez só… pode-se guardar um ou outro... Mas logicamente não quer dizer que vamos
ser literalmente crianças a fazer birra. Apenas que limpamos o caminho à nossa
frente com a pureza de quando éramos "pequenos", e com isso
recuperamos uma liberdade para imaginar, sonhar, acreditar, voar nos
pensamentos, ideias, transformando partes do nosso dia em processos criativos
onde nos divertimos a produzir algo que, por mais parvo ou inútil que mais
tarde possa parecer (quando estivermos em modo "super autoconsciente"
outra vez), será sempre algo que mais ninguém poderia ter produzido, porque foi
algo originário da nossa mente de contornos genuinamente singulares.
Sinto
falta de ser "pequeno", preciso de ser "pequeno" mais
vezes, mesmo que não seja compreendido em boa parte delas. Quero recuperar a
capacidade de imaginar criaturas jamais vistas, com nomes originais, e um
enredo mirabolante sem fim à vista. Com pouco ou nada inventar algo
tresloucado, surreal, impossível, possivelmente insano, mas como é necessária
essa faísca de insanidade legal! Uma frase sem sentido pode dar sentido a um
dia com os sentidos já pré-definidos, só por me ter feito rir às gargalhadas. E com isso ter mudado o curso desse dia, mesmo que acabe por fazer tudo o que
estava agendado para aquele dia.
Na prática
voltar a ser "pequeno" em full-time já não é hipótese,
portanto só a consigo imaginar quando um dia tiver um filho. Ora ocorre-me
perguntar-me: "O que queres ser quando fores pequeno?", e apraz-me
responder à minha pessoa: "Quero que ele(a) seja 'pequeno(a)' o quanto
puder, que cresça e ganhe tudo o que tem a ganhar no seu trajecto, mas que
nunca perca a capacidade de recuperar a liberdade de ser 'pequeno'... de ser
ele(a) própria.".
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