Ela
Ela estava farta. O mundo girava ao contrário, os ponteiros do relógio não faziam sentido, e assim mesmo ela juntava-se ao fluxo de corpos que inundava cada rua que surgia no caminho espontâneo numa tarde fria de Inverno. A rota era ditada pela mecânica dos passos, muito afastada de tudo o que importava, ela não estava verdadeiramente ali. Curioso como funcionámos, todos nos conseguem ver ali com os pés assentes no chão, mas não haverá ninguém que seja capaz de encontrar a mínima pista sobre onde a nossa mente está, onde nos vemos naquele momento, com quem, quando, uma realidade paralela protagonista dos nossos sentidos. E assim seguia, à vista de todos mas invisível. Talvez o hábito, se calhar o íman da paisagem, alguns dirão o destino, outros o acaso puro, seja como for, o desencontro interior dela levou-a até ao rio, de água e de gente a preencherem todos os espaços. Num dia normal sentir-se-ia sufocada pela sobrepopulação, mas aquela tarde não era normal. De algum modo a agitação alheia apesar de não a contagiar aqueceu-a um pouco. Precisava de despistar vazios para não acrescentar espaços por preencher dentro dela, e era reconfortante ver algo cheio. Deixou-se estar no limite que a separava de fazer parte do rio, o de água, de pé, com o olhar mais desperto que antes, mais presente, a procurar sugar tudo o que pudesse para a resgatar daquela sensação de caos passivo. De todas as suas versões era a de que menos gostava, preferia a explosão e o desabamento até, pelo menos aí sabia que mais tarde ou mais cedo se iria reerguer, já o fez várias vezes, agora esta muralha de dúvidas e medos podia encurralá-la e retirar-lhe oportunidades de viver. Detesta desperdiçar tempo. Algo tinha que acontecer, ela tinha que fazer algo.
(To be continued)
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