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"Matei-o" - Teatro

O resultado da junção de 9 monólogos da obra "crimes exemplares" de Max Aub foi este, com confissões peculiares de personagens que no fundo... só queriam sossego, coitadas... https://www.facebook.com/antonysousa10/videos/vb.100000047167396/1201844059827155/?type=2&theater

Sonhando Em Voz Alta

Capítulo 2


Estava agora num campo de futebol de 11, com estádio cheio, sim estou a identifica-lo, é o Old Trafford, o estádio do Manchester United!! Como é que eu vim aqui parar? Confuso mas com o coração a palpitar à mesma velocidade com que o Cristiano Ronaldo corre, recebo a bola vinda de um jogador do Manchester. Portanto confirma-se, não só estou no teatro dos sonhos como ainda estou a jogar em casa, e sou treinado pelo José Mourinho! Mal recebi a bola driblei dois adversários, rodopio sobre a bola e abro no lado direito num colega que estava desmarcado, curioso poderia jurar que era o Joel... agora sou eu que me desmarco pela zona central e estou a caminho da área à espera de um cruzamento. Ainda sou agarrado, tentam parar-me mas consigo libertar-me dos defesas contrários e estou agora isolado no coração da área com o braço direito levantado a pedir a bola. O cruzamento surge finalmente, a bola aproxima-se de mim, parece que ficou tudo em câmara lenta de repente, consigo ver todos os pormenores à minha volta, os defesas que ficaram para trás desesperados a tentar chegar até mim, atrás de mim outro colega também à espera de receber esta bola, mas esta é minha eu sei que é. Olho para as bancadas e estão todos de pé, a suster a respiração, a juntar forças para gritarem "GOLO" bem alto em uníssono, quer dizer, em inglês. E... não acredito, estou a ver o meu pai, o meu pai está a ver-me, está mesmo ali atrás daquela baliza para onde quero marcar, está tão feliz... tenho que marcar este golo, esta bola tem de entrar! E é nesse momento que eu salto, e cabeceio a bola de cima para baixo. A bola bate no relvado a centímetros de chegar à baliza, e... GOLOOOOO!!! Bateu nas rede lateral de dentro da baliza, marquei, marquei!! Vêm todos abraçar-me, inclusive o guarda-redes da minha equipa que curiosamente parece o Diogo o nosso guarda-redes no Varzim. Estou eufórico, é um sonho tornado realidade, é tudo aquilo que eu sempre quis desde que comecei a ver futebol, é incrível! Íamos a caminho do nosso meio-campo para que o jogo pudesse recomeçar, quando ouço claramente a voz do Joel a dizer-me "Boa Pedro! Agora vê lá se não marcas nenhum auto-golo", olhei para o meu lado esquerdo e vi o Joel a sorrir para mim, era o camisola 7. Seria possível, também o Joel tinha conseguido chegar ao Manchester United? Bem, não é de estranhar assim tanto, ele de facto é o nosso capitão e melhor jogador. O jogo recomeça, e pela minha posição em campo estou a jogar a avançado centro. Pela disposição táctica das equipas diria que estamos num 4-4-2 clássico, enquanto que o adversário está num 4-4-2 losango, o que significa... desculpem mais uma vez, não é importante agora. Cada vez mais parecia que reconhecia cada um dos meus colegas, cada um deles parecia corresponder a um dos meus colegas de equipa. E foi quando numa jogada de insistência do nosso número 6 (muito parecido com o nosso número 6 no Varzim, o João), a bola chega até mim a dois metros da grande área e eu sinto um empurrão que me atira para o relvado. O árbitro apita e é falta, livre direto a nosso favor. Tenho a bola nos braços e pergunto-me se costumo ser eu a marcar os livres ou não. Como ninguém pareceu contestar preparei-me para bater o livre. Ainda olhei para o Joel para perceber se aquilo era o normal ou se estava a abusar da sorte, mas ele limitou-se a indicar que ia estar atento a uma possível recarga. Respirei fundo, pus a bola com muito cuidado no local da falta, olhei alguns segundos para ela como se esperasse que ela me segredasse qual o segredo para a pontapear para o fundo das redes. Tomei balanço e pensei "Já marcaste um golo hoje, isto não é um penalty por isso o que é que tens a perder?". Voltei a respirar bem fundo, parto para a bola e sinto logo no momento em que o meu pé direito entra em contacto com a bola que ela ia passar por cima da barreira e ia a caminho do ângulo superior direito da baliza. Mais uma vez parecia que alguém tinha carregado no botão de câmara lenta, a bola seguia com toda a tranquilidade o seu caminho até à baliza, só lhe faltava assobiar uma melodia alegre, enquanto que em contraste o guarda-redes parecia pressentir que dificilmente chegaria àquela bola. Olho propositadamente para a bancada atrás daquela baliza para ver a reação do meu pai ao pormenor. E nem preciso de ver pelos meus olhos que a bola entrou, vejo o meu pai a levantar-se num pulo com os braços no ar a gritar aquilo que me parece ser "É o meu filho! É o meu filho!!". Mais do que eufórico como no primeiro golo, sinto-me simplesmente feliz, sinto que se pudesse escolher um momento para guardar e repetir seria aquele, já que alguém parecia carregar no botão de câmara lenta também poderia certamente carregar no botão de voltar atrás e repetir aqueles segundos. E foram só precisos segundos também, ou pelo menos acho que foram só segundos, para confirmar que todos os que me abraçavam eram os meus colegas no Varzim. Foi quando me apercebi, que aquilo era só um sonho.





Não podia acreditar, mas agora por outras razões, afinal tudo aquilo era um sonho, não passava de um sonho estúpido que só confirmava como era impossível algum dia tornar-se realidade. Nem sequer como sonho era credível, como é que eu fui achar que aquilo podia ser verdade?! Começou a ficar tudo cada vez mais distante, já praticamente não ouvia o som ambiente do estadio, as pessoas já se assemelhavam mais a sombras do que a seres humanos, e toda a combinação de emoções que sentia começou a desaparecer aos poucos, até chegar ao ponto de retomar por completo a consciência, aquela consciência que logo ao acordar me dizia que não tinha hipótese de cumprir o meu sonho, que nunca seria perfeito, e que jamais chegaria ao impossível.
Sentei-me na cama a olhar para a escuridão do quarto e a pensar "quem me dera que fosse real, só queria que fosse real".
Voltei a deitar-me, agarrei-me à almofada e fechei os olhos com força para tentar voltar a pisar aquele relvado só mais uma vez, mesmo sabendo que não é um relvado de verdade, nem são golos de verdade, nem é o meu pai que está ali na bancada, mas queria sentir o que seria se aquele sonho fosse a realidade, e esta realidade um sonho chato.

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